O ano de 2022 foi especialmente difícil para as mulheres no Brasil: todos os indicadores de violência contra a mulher subiram no ano passado, de acordo com a quarta pesquisa “Visível e Invisível – a Vitimização de Mulheres no Brasil” – do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Datafolha divulgada nesta quinta-feira (2).

  • Nos últimos 12 meses, 28,9% (18,6 milhões) das mulheres relataram ter sido vítima de algum tipo de violência ou agressão, o maior percentual da série histórica;
  • Isso significa que 35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto no país.

Entre os dias 9 e 13 de janeiro de 2023, 1.042 mulheres com 16 anos ou mais foram entrevistadas em 126 municípios de pequeno, médio e grande porte. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos na amostra nacional e de três pontos para mais ou para menos na amostra do módulo de autopreenchimento.

Em relação à última pesquisa, que foi feita entre abril de 2020 e março de 2021, o crescimento foi de 4,5 pontos percentuais, o que revela um agravamento das violências sofridas por mulheres no Brasil.

Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “o menor orçamento justamente em um período em que os serviços precisavam de mais apoio para continuarem a existir tornou a acolhida da mulher ainda mais difícil.”

“Os dados do primeiro semestre de 2022 já indicavam crescimento dos feminicídios e outras formas de violência contra a mulher. Os últimos anos foram marcados pelo desfinanciamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher “, diz.

“Também acredito que a pandemia afetou fortemente os serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência, a rede da qual tanto falamos. Equipamentos de assistência social, saúde e segurança tiveram serviços interrompidos, horários de funcionamento restrito e muitos profissionais afastados por serem grupos de risco.”

Tipos de ofensa mais citados

  • Ofensas verbais: 23,1% de prevalência (14,9 milhões)
  • Perseguição: 13,5% (8,7 milhões)
  • Ameaças: 12,4% (7,9 milhões)
  • Agressão física (chutes, socos e empurrões, por exemplo): 11,6% (7,4 milhões ou 14 por minuto)
  • Ofensas sexuais: 9% (5,8 milhões)
  • Espancamento ou tentativa de estrangulamento: 5,4% (3,4 milhões)
  • Ameaça com faca ou arma de fogo: 5,1% (3,3 milhões)
  • Lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado: 4,2% (2,7 milhões)
  • Esfaqueamento ou tiro: 1,6% (1 milhão)

Os pesquisadores destacam que, em comparação com as pesquisas anteriores, o cenário é de “um crescimento acentuado de formas de violência grave, que podem incorrer em morte da mulher, como é o caso do crescimento de episódios de perseguição, agressões como tapas, socos e chutes, ameaça com faca ou arma de fogo e espancamentos”.

Marisa Sanematsu, diretora de comunicação do Instituto Patrícia Galvão, afirmou que para compreender o aumento “é preciso recorrer aos principais fatores de risco para a violência doméstica e sexual definidos pela OMS: baixo nível de educação, experiências pessoais com violência doméstica e um ambiente de aceitação dessa violência.”

“Assim, se olharmos para o nosso contexto atual, é possível identificar a presença desses fatores de risco. Ao lado dos altos índices de violência registrados, é inegável que estamos vivendo um ambiente de naturalização e até de estimulo à violência, que, como mostra a pesquisa, já está produzindo impacto sobre as vidas das mulheres brasileiras”, diz.

Maioria das mulheres não tomou atitude depois da agressão mais grave

A maioria das mulheres que sofreram agressões e responderam à pesquisa não tomou uma atitude após ter sofrido a agressão mais grave. A resposta com maior percentual foi “não fez nada”, com 45%.

Em seguida, aparecem “procurou ajuda da família” (17,3%) e procurou a ajuda de amigos (15,6%). Apenas 4,8% acionaram a Polícia Militar, e 1,7% denunciaram via registro eletrônico, por exemplo.

 

Atitude da mulher após a agressão mais grave | Últimos 12 meses

Pesquisa de 2017 2019 2021 2023
Procurou ajuda da família 13,0 15,0 21,6 17,3
Procurou ajuda dos amigos 12,0 10,0 12,8 15,6
Denunciou em uma Delegacia da Mulher 11,0 10,0 11,8 14,0
Denunciou em uma delegacia comum 10,0 8,0 7,5 8,5
Procurou a Igreja 5,0 8,0 8,2 3,0
Ligou para a Polícia Militar no 190 3,0 5,0 7,1 4,8
Ligou para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) 1,0 1,0 2,1 1,6
Não fez nada 52,0 52,0 44,9 45,0
Denunciou à Polícia através de um registro eletrônico 1,8 1,7
Procurou uma associação ou entidade de proteção à Mulher (ONG) 1,9 0,5

Perfil da mulher vítima de violência

Os pesquisadores destacaram algumas características das vítimas de violência em 2022, como perfil étnico racial, faixa etária, escolaridade e estado civil:

Perfil étnico racial

  • 65,6% eram negras, 29% brancas, 2,3% amarelas e 3% indígenas;
  • Mulheres negras passaram por níveis mais elevados de violência (29,9%) do que as brancas (26,3%).

Faixa etária

  • 30,3% tinham entre 16 e 24 anos; 22,8% entre 25 e 34 anos; 20,6% entre 35 e 44 anos; 17,1% entre 45 e 59 anos; e 9,2% 60 anos ou mais;
  • Mulheres mais jovens (16 a 24 anos) foram as maiores vítimas (43,9%), sendo que as ofensas verbais foram o tipo mais frequentemente relatado (32,4%);
  • Vítimas com idade entre 45 e 59 anos sofreram maiores níveis de violências como espancamento (8,2%), ameaça com faca ou arma de fogo (8,7%) e esfaqueamento ou tiro (4,5%).

Escolaridade

  • Mulheres que cursaram apenas o ensino fundamental foram as que mais sofreram agressão física como empurrões e chutes (14,6%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (7,7%), ameaça com faca ou arma de fogo (8,3%) e esfaqueamento ou tiro (2,5%).

Estado civil

  • Vítimas separadas e divorciadas apresentaram níveis mais elevados de vitimização (41,3%) do que em comparação com casadas (17%), viúvas (24,6%) e solteiras (37,3%).

“A tentativa de rompimento com o agressor e histórias repetidas de violências são fatores de vulnerabilidade que podem aumentar as chances de mulheres serem mortas por seus parceiros íntimos, o que revela que a separação é, ao mesmo tempo, a tentativa de interrupção da violência, mas também o momento em que ela fica mais vulnerável”, apontou o relatório.

Autores das agressões

  • 31,3% das mulheres afirmaram que o autor da violência mais grave sofrida no último ano foram os ex-companheiros;
  • No caso dos atuais companheiros, o percentual foi de 26,7%;
  • Autores desconhecidos correspondem a 24,5% dos casos.

Frequência das agressões

  • Em 2022, as vítimas sofreram, em média, quatro episódios de violência ao longo dos 12 meses;
  • Entre as mulheres divorciadas, a média foi de 9 agressões.

O dobro da média de agressões contra divorciadas chamou a atenção da diretora-executiva do Fórum. Para Samira, a separação é vista como a porta de saúda para a violência doméstica, mas não é.

“Ela sofre violência do parceiro íntimo e deposita no divórcio a expectativa de uma saída dessa violência. O problema é que estamos falando de uma violência que raízes culturais, que é fruto de uma sociedade machista e patriarcal, em que o homem entende que a mulher a ele se submete e, portanto, deve obedecê-lo. Quando ela rompe com essas expectativas de gênero, ele se revolta e se torna ainda mais agressivo. Especialmente se tiver filho nessa relação, porque o vínculo necessariamente será mantido”, diz.

“Não é à toa que vemos tantos feminicídios de mulheres divorciadas. O homem não aceita a separação, ou então não aceita que ela se relacione com outro homem, ainda que já separada dele – ‘se não for minha, não vai ser de mais ninguém'”, completa.

 

Fonte: G1

 

 

 

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