Bandidos que aplicam o golpe do aniversário estão sofisticando a abordagem das vítimas para ganhar a confiança delas e garantir o lucro. Fazem isso à medida em que o crime vai se tornando mais conhecido da população, em geral após os casos serem divulgados pela polícia e na imprensa. Só em 2023, pelo menos 44 boletins de ocorrência por estelionato foram registrados em Minas por pessoas que viram a promessa de ganhar um presente, no dia do aniversário, se transformar em um rombo na conta bancária. Em várias situações, o prejuízo superou R$ 10 mil.
Levantamento feito pelo Hoje em Dia a partir dos BOs mostra que houve situações em que os criminosos falaram que o “mimo” era enviado por antigos colegas de trabalho, citando exatamente a última empresa ou órgão onde o aniversariante foi empregado.
Em outros casos, para “justificar” a taxa de entrega – despesa improvável quando se está recebendo um presente –, mentiam alegando que foi feita uma primeira tentativa de envio, mas não havia gente em casa, ou que o endereço original informado pelo remetente estava errado. A segunda visita, portanto, só poderia ser feita se houvesse a concordância de pagamento da tarifa – na verdade, um pretexto para a quadrilha ter acesso ao cartão da vítima e usar os dados para fazer as compras não autorizadas.
R$ 20 MIL FOI O PREJUÍZO DADO POR BANDIDOS A UM MORADOR DE UBERLÂNDIA, DE 71 ANOS. ELE FOI ATRAÍDO PARA A ARMADILHA COM A PROMESSA DE QUE RECEBERIA CHOCOLATES. CARTÕES DA FILHA DELE TAMBÉM FORAM USADOS PARA PAGAR A “TAXA DE ENTREGA”
Outra estratégia para tornar a conversa verossímil é oferecer à pessoa a opção de retirar o presente na loja física ou a comodidade de recebê-lo no próprio endereço, mediante um pagamento “irrisório” – as taxas, em geral, variam de R$ 6 a R$ 8. A segurança dada pela suposta existência de um ponto de venda fixo e o valor baixo do delivery serviam de isca.
Tática refinada
Estelionatários têm tempo de sobra para criar estratégias para agir, afirma o delegado aposentado Islande Batista – que por 36 anos trabalhou na Polícia Civil mineira, parte deles investigando fraudes e roubos.
“À medida em que o golpe se torna conhecido ou a população vai ficando mais alerta, os golpistas estudam novas formas para ludibriar a possível vítima. Pensam: ‘vamos lapidar isso aqui’”, diz. “Tudo para obter a vantagem indevida”.
De acordo com o policial, quando a vítima cai na conversa, fica cara a cara com o golpista e começa a desconfiar de uma armação, o bandido, em geral, sai de cena.
Foi exatamente o que aconteceu com uma moradora do bairro Serra, em Belo Horizonte. Após o motoqueiro enviado por uma suposta floricultura avisar que os cartões da idosa “só ficavam processando” na máquina, sem completar a operação, ela suspeitou estar diante de uma cilada.
Segundo a mulher relatou à polícia, o entregador, “assustado”, disse que “não faria isso com ela” e foi embora. Mas já era tarde: a senhora descobriu depois duas compras fraudulentas, uma delas de R$ 14.999,99.
Nesses casos, tentar memorizar a placa da moto e guardar características físicas do piloto para repassá-las à polícia é uma dica, diz Batista. O que está fora de cogitação é enfrentar o criminoso. “Jamais parta para cima, pois quem está fazendo a entrega não é uma pessoa de bem. Pode agredir”, diz.
A Polícia Civil informou, por meio da assessoria, que abriu inquéritos para apurar os crimes de falsos presentes.
Saiba mais
No golpe do aniversário, alguém entra em contato, por telefone ou WhatsApp, com o “alvo” informando ter chocolates, flores ou outro mimo para presenteá-lo. Como a pessoa de fato está comemorando a data, acredita na oferta, confirma o endereço de entrega e fica aguardando o motoboy. Quando ele chega com a sacola da loja, informa ao aniversariante que há uma taxa de frete a ser paga apenas no cartão.
“Aí existe o golpe. A vítima passa o cartão uma, duas, três vezes, às vezes muito mais, e o motoboy avisa que está sem sinal e que então retornará ao local com uma nova máquina”, explica a delegada Bianca Prado, em vídeo divulgado pela Polícia Civil de Minas. Há casos em que o entregador passa o cartão em duas, três máquinas diferentes, antes de “desistir” da transação e ir embora. Em geral, as vítimas digitam a senha nos equipamentos, e muitas afirmam que a tela mostrava o valor “correto” da taxa ou estava escura.
A pessoa só descobre que caiu num golpe quando chegam notificações bancárias das compras no smartphone, avisos do banco de operações que foram bloqueadas por suspeita de fraude ou ao tirar o extrato da conta.
Orientações da Polícia Civil para não ser enganado:
– sempre que receber um telefonema sobre presentes, confira nos canais oficiais da empresa se há algo sendo mesmo enviado;
– verifique se existe alguma taxa, porque normalmente não são cobradas tarifas de frete de presentes;
– caso receba o presente, não pague a taxa no cartão;
– caso opte pelo pagamento no cartão, ou qualquer vez que for utilizar um cartão em uma máquina, olhe o visor, não entregue o cartão na mão do operador, fique com a máquina em mãos, verifique o valor que está sendo cobrado e faça a operação apenas uma vez;
– não repita a operação apenas porque o operador pediu;
– caso tenha sido vítima de um golpe desses, avise imediatamente o banco, comunique o gerente para bloqueio da transação e procure a delegacia mais próxima de casa
*Colaboraram Gledson Leão e Pedro Melo.
Fonte: Hoje em Dia