Um relatório divulgado recentemente pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) mostrou que os óbitos causados por policiais aumentaram 47% no Estado em 2024 na comparação com 2023. De acordo com o documento, em 2023, 133 pessoas foram mortas por policiais em Minas Gerais, enquanto no ano passado foram 195.
Mas os dados revelam outra informação preocupante: quando se compara com o início da série histórica, em 2018, o crescimento revela-se ainda maior, de 65,2%. Naquele ano foram 118 mortos. O relatório ainda mostra que a maior parte dos autores das ocorrências em 2024 era composta por militares (98,1%), na maioria entre 30 e 39 anos completos (55,9%), com patentes, geralmente, de cabo (32,3%), terceiro-sargento (24,3%) e soldado (21,5%).
Conforme o MPMG, o uso da força, quando desproporcional e excessivo, pode representar uma violação aos direitos humanos e um erro de aplicabilidade de procedimentos operacionais. “Por isso, ações policiais resultantes em letalidade devem ser alvo de apurações, tanto internas como externas, com o objetivo de explicitar se os devidos procedimentos operacionais foram seguidos e se houve eventuais abusos do uso da força por parte dos agentes envolvidos”, ressalta o documento.
Solução
O uso de câmeras nas fardas policiais é uma das soluções apontadas pelo documento do Ministério Público de Minas Gerais como importantes para diminuir a letalidade policial, assim como o fortalecimento de ações de controle externo da atividade policial e a atuação do Ministério Público Estadual para coibir situações de uso desproporcional da força policial.
De acordo com o MPMG, “entre essas medidas respaldadas pelas evidências disponíveis, devem constar o uso de câmeras corporais, importantes para redução tanto da letalidade quanto da vitimização, e a criação de sistemas de alerta que permitam a identificação de policiais em processo de escalada de condutas violentas e o seu direcionamento a treinamentos operacionais, ou mesmo o desligamento da instituição”.
Posicionamento
A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) para ter um posicionamento, mas até a publicação desta matéria não havia obtido retorno.
Maior parte dos casos está ligada ao tráfico
Especialista em segurança pública, Jorge Tassi ressalta que há ocorrências que são produto do mau trabalho policial. Para ele, além do uso de câmeras nas fardas, apurar as ações tomadas pelos profissionais é importante. No entanto, na opinião do especialista, embora uma abordagem equivocada seja feita por parte de alguns policiais, não é só isso que impulsiona o número de mortes provocadas por eles.
“Os homicídios nas cidades também aumentam com o tempo, e a sociedade está mais violenta, o que pede um empenho maior e mais viril da polícia. Esse cenário é produto do crime organizado, da disputa dos criminosos em relação a pontos de drogas e das ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC)”, diz ele.
A relação com o tráfico de drogas é corroborada pelo documento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Conforme o órgão, a maior parte das ocorrências que envolveram letalidade policial é relacionada ao tráfico de drogas (30,1%). Logo depois vêm as ocorrências ligadas a roubos (20,5%) e furtos (18,1%). Já as ações decorrentes de cumprimento de mandados somam 12,7%.
Ainda conforme o documento do MPMG, o maior número de ocorrências com letalidade policial está concentrado em BH, com 15,1% do total. Contagem, com 7,8%, e Teófilo Otoni, com 6,6%, vêm em seguida. Ao todo, 51,2% das ocorrências foram registradas no interior de Minas.
‘É uma tristeza ter medo da polícia’, diz mulher
“A polícia agiu com muita brutalidade. Fiquei com bastante medo deles, mais do que de qualquer outra pessoa. É uma tristeza ter medo da polícia. Não tem nem lógica”. O desabafo é de uma mulher que estava em um bloco de Carnaval em Juiz de Fora, na Zona da Mata, no dia 1º de março, quando, segundo pessoas presentes no local, militares agrediram foliões enquanto tentavam conter um homem armado.
A testemunha que estava no bloco de Carnaval em Juiz de Fora afirma que, embora o episódio não tenha terminado em morte, a abordagem violenta provocada pelos agentes de segurança, lhe gerou um trauma. No boletim de ocorrência, os militares afirmaram que foram agredidos pela população e que agiram em legítima defesa. Para a mulher, no entanto, o relatório do Ministério Público de Minas Gerais é um reflexo do que ela viu no dia do ocorrido, com a violência policial falando mais alto. “Esse relatório mostra como estamos vulneráveis”, questiona.
Fonte: Por Juliana Siqueira-O Tempo