Mais uma arbovirose preocupa as autoridades de saúde além da dengue, zika e chikungunya. Passada a epidemia do Aedes aegypti, a nova ameaça é transmitida, nas cidades, pelo mosquito-pólvora e o tão comum pernilongo. É a chamada febre oropouche, que avança em Minas Gerais desde as primeiras notificações em maio deste ano. Nas últimas duas semanas, o número de casos cresceu 77% – de 83 testes positivos para 147 em todo o Estado. O dado da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), divulgado nessa terça-feira (30 de julho), identifica 96 diagnósticos somente na cidade de Joanésia, no Vale do Aço.
A arbovirose, tida, até o momento, como uma versão “mais branda” da dengue, matou duas mulheres abaixo de 25 anos e sem comorbidades na Bahia – algo inédito no mundo. A preocupação acima da febre oropouche é exatamente essa: a novidade. Até 2023, Minas Gerais não havia registrado nenhum caso da doença. A partir de maio, no entanto, os números começaram a se multiplicar. Para médicos infectologistas, as alterações do clima e a suscetibilidade dos mineiros ao vírus facilita a transmissão da doença, cuja tendência é continuar avançando. Possíveis complicações e mortes são um alerta após a experiência do Estado vizinho.
“As mortes na Bahia são um fator de preocupação. A doença não tinha, até então, mortes documentadas. Até o momento, sabe-se que os casos na região amazônica também foram mais graves este ano. Isso chama atenção para uma possibilidade de mutação viral, possivelmente tornando o arbovírus da febre oropouche mais agressivo, ou para outros fatores externos que aumentaram a vulnerabilidade das pessoas”, analisa o infectologista Adelino de Mello Freire Jr., presidente da Sociedade Mineira de Infectologia.
Segundo ele, é o momento das autoridades sanitárias e da assistência em saúde se organizarem a fim de prevenir piora no cenário. “Conhecer a doença, saber identificá-la, ter condições de investigar as pessoas sob suspeita, realizar testes. Isso é crucial para fortalecer o enfrentamento”, alerta ele, que é cooperado da Unimed-BH.
Vale do Aço tem 97% dos casos
Conforme a SES, até esta terça, foram notificados 144 diagnósticos somente no Vale do Aço:
- 96 em Joanésia,
- 30 em Coronel Fabriciano,
- 15 em Timóteo
- e três em Ipatinga.
A região concentra 97% dos registros, isto é, somente três das infecções não ocorreram lá.
- No Rio Doce, as cidades de Coroaci e Gonzaga têm um caso cada.
- Outra notificação foi em Congonhas, na região Central.
De acordo com o infectologista Adelino de Mello Freire Jr., um dos motivos que pode ter impulsionado a febre oropouche no Vale do Aço é a região ser uma zona quente, conhecida por temperaturas mais elevadas. “O clima influencia a reprodução dos mosquitos vetores da febre oropouche. Períodos de chuvas mais intensas seguidos por calor favorecem a situação para que o mosquito se reproduza, aumentando o risco de transmissão. Fatores ambientais, como questões de saneamento básico, também facilitam a reprodução de mosquitos e podem ter papel importante na disseminação da doença”, analisa.
Alterações climáticas favorecem o arbovírus, e mineiros estão vulneráveis à infecção
As mudanças climáticas estão entre os principais fatores que podem explicar o aumento de casos de febre oropouche em Minas Gerais e no Brasil em 2024. Conforme o especialista Adelino de Mello Freire Jr., o arbovírus se beneficia das temperaturas mais quentes durante todo o ano. “As alterações climáticas e o aquecimento das estações aumentam a reprodução do mosquito, acelerando a transmissão da doença”, explica.
O infectologista relaciona o ciclo de infecção favorecido com um cenário propício: “a mobilidade das pessoas, que transitam entre cidades e Estados transportando a febre oropouche, e prováveis modificações do vírus. O fato é que a doença passou a ser detectada em várias regiões pela primeira vez”, pondera.
Quando o mosquito-pólvora e o pernilongo se tornam vetores da febre oropouche, a transmissão ocorre sem barreiras, isto é, ainda não existe vacina ou tratamento específico, e os mineiros não têm anticorpos em larga escala. “A febre oropouche tem dois ciclos de transmissão, silvestre e urbano. Na cidade, o mosquito Culex é um vetor. É aquele pernilongo que tem na nossa casa, aquele que faz barulho na orelha. Esse mosquito é comum e tem uma população grande, então a chance de disseminar o arbovírus é enorme. É um cenário propício, em que os mineiros estão suscetíveis, ainda não têm anticorpos, como no início da transmissão da chikungunya, por exemplo”, explica o médico Leandro Curi.
Nova recomendação de risco para grávidas
O enfrentamento contra a febre oropouche tomou um novo rumo no Brasil este mês. O Ministério da Saúde (MS) emitiu um alerta sobre o risco da doença especificamente para mulheres grávidas. Isso porque uma pesquisa do Instituto Evandro Chagas (IEC) detectou a presença do anticorpo da febre oropouche em amostras de um caso de abortamento e outros quatro de microcefalia. A doença pode estar, então, relacionada à condição de malformação do cérebro do bebê, assim como acontece com a zika e a sífilis, por exemplo.
O estudo do IEC analisou amostras de soro e líquor – líquido que protege o cérebro e a medula espinhal – do feto e dos quatro recém-nascidos com microcefalia. Os exames descartaram a relação com outras infecções, como zika, chikungunya e dengue, como era o foco da pesquisa. No entanto, nas amostras, os cientistas detectaram a presença de anticorpos da febre oropouche.
Fonte: O Tempo