No Dia Nacional da Doação de Órgãos, celebrado nesta quarta-feira (27), Minas Gerais anuncia a retomada do serviço de transplante de pulmão após oito anos de serviço suspenso. A data ainda marca ações de conscientização por parte de hospitais junto à população.
Aumentar o número de doadores se faz necessário, visto que mais de 6,4 mil pessoas estão na fila à espera de órgãos e tecidos no Estado e a taxa de recusa [de doações] alcança a marca de 45%, quase o dobro do que antes da pandemia de Covid-19. Quem conseguiu o transplante comemora a nova chance de vida e até mesmo por poder voltar, por exemplo, a tomar um copo de água.
Em 2014, o transplante de pulmão deixou de ser realizado no Estado, conforme explica Omar Lopes Cançado, diretor do MG Transplantes, por dificuldades enfrentadas pelo Hospital das Clínicas, na capital mineira. A retomada do serviço é comemorada pelo gestor, visto que os pacientes mineiros são transferidos para outros Estados.
“Temos poucos centros que fazem transplante de pulmão no Brasil. A grande parte está concentrada na região Sudeste, em São Paulo e no Rio de Janeiro, além do Rio Grande do Sul. Então, quando algum paciente necessita de fazer esse procedimento, ele tem que mudar de Estado. É muito desgastante, pois estamos falando de um paciente que se encontra em estado grave e necessita de acompanhantes”, afirma.
Os detalhes da retomada dos serviços vão ser anunciados em cerimônia no Auditório do Hospital João XXIII a ser realizada na manhã desta quarta. “É como se fosse o lançamento da ‘pedra fundamental’, pois para que os transplantes voltem a acontecer ainda vai demorar, pois é necessário que tenha o credenciamento junto ao Ministério da Saúde”, adiantou Cançado.
Conscientização é pra já
Para que aconteça o transplante de pulmão e de outros órgãos e tecidos, a conscientização é fundamental. “Falar da doação de órgãos é essencial e precisa acontecer a todo instante. Diariamente temos pessoas entrando na fila precisando da doação para que possam voltar a vida normal. Estamos falando de pessoas que precisam de uma chance para continuar a vida”, diz o coordenador de Transplante de Fígado da Santa Casa BH, Agnaldo Soares de Lima.
Visando orientar a população sobre o nobre gesto, hospitais e o poder público realizam campanhas educativas com a entrega de informes para a população. O objetivo é conscientizar sobre a importância da doação de órgãos e tecidos e reduzir a recusa das famílias, pois um único doador pode beneficiar oito ou mais pessoas que aguardam um transplante.
“A pandemia de Covid-19 fez com que tivéssemos uma queda acentuada no número de doações e, consequentemente, de transplantes. Chegamos a ter 35% a menos de procedimentos. Neste ano de 2023 e no ano passado, temos retomado as doações, mas ainda está aquém do que tínhamos antes do período pandêmico”, destaca o diretor do MG Transplante.
Minas Gerais tem 6.404 pessoas na fila de espera por transplantes e outro dado que preocupa as autoridades de saúde é a taxa de recusa para doar órgãos. “Atualmente a taxa está em 45%, quase o dobro do que era antes da pandemia (25%). Apesar de conseguirmos aumentar os doadores, a recusa também acompanhou essa estatística. Alguns tabus ajudam a explicar isso. Um deles é que as famílias pararam de conversar sobre o desejo de serem doadoras, pois conversar sobre a morte ainda é muito evitado. Não adianta deixar nada por escrito, o fundamental é falar”, pondera Cançado.
O Brasil acompanhou recentemente o transplante de coração realizado por Fausto Silva. Diante da agilidade do procedimento, muitas notícias falsas relacionadas à doação de órgãos circularam nas redes sociais – compra de órgãos e até uma possível ‘fura fila’ por parte do apresentador.
“O caso do Faustão trouxe à tona algo que sempre debatemos: as pessoas que esperam pelo transplante têm urgência para receber o órgão. Todos os pacientes precisam do transplante para continuar a vida. Nesta semana, na Santa Casa, um rapaz de 27 anos, com hepatite fulminante, fez um transplante de fígado. Ele estava na fila há três dias. A prioridade do sistema nacional de transplantes é salvar vidas, seja o paciente uma pessoa famosa ou não”, esclarece o médico Agnaldo Soares.
Gratidão pela vida
“Quando acordei do transplante era como se tivesse nascido novamente”. O relato é de Geraldo Fernandes de Araújo, de 70 anos, o transplantado de coração mais longevo do Brasil. O procedimento realizado em 1988 é comemorado pelo aposentado que, agora, vive a expectativa do nascimento do primeiro bisneto.
“O meu caso era dado como desacreditado pelos médicos. Até que fiz o transplante de coração. Eu nasci de novo. Fiquei três meses internado no Hospital Felício Rocho e depois de receber o novo coração fiquei hospitalizado por mais 60 dias. Voltei à minha rotina e pude trabalhar na roça: tirar leite e ir para a lavoura de café”, afirma.
O sucesso do procedimento faz com que Araújo seja grato até os dias atuais. “A minha vontade é de dar um abraço na família que doou o coração. Ganhei 35 anos de vida e, se Deus quiser, vou viver ainda mais. Sou grato a Deus tanto pela família doadora, quanto pelos médicos que me atenderam”.
A expectativa de voltar à rotina se faz presente na vida do pescador Gildemar Santana dos Santos, de 42 anos. Há 45 dias ele recebeu o tão aguardado rim. Foram oitos anos na fila, e 14 fazendo hemodiálise três vezes por semana. Ele deixou a Bahia e veio para Belo Horizonte realizar o procedimento que tanto esperou.
“Digo que tive mais uma chance de viver. O tratamento de hemodiálise não é fácil. Tinha que viajar 250 km para fazer os procedimentos. Deixei as minhas atividades de pescador e agente de turismo para dedicar à minha saúde. Para ter ideia, sequer podia tomar água”, comenta.
Agora, o desejo é fazer tudo aquilo que ficou privado nos últimos anos. “Só de poder voltar a beber um copo de água já me deixa feliz, mas não vejo a hora de poder voltar a pescar e comer aquele peixe de água salgada. Por ele ter muito potássio, tive que suspender o consumo”.
O chamado para que mais pessoas se tornem doadoras de órgãos e tecidos é feito por Livia Vasques, médica da unidade de transplante renal do Hospital Universitário Ciências Médicas. “A vida pode continuar [após a morte], mas para isso temos que deixar claro para os nossos entes. Doar órgãos é salvar vidas. Procure tirar as dúvidas sobre o assunto, converse com a família. O procedimento é totalmente seguro”.
Transplantes realizados em Minas Gerais de janeiro a agosto de 2023
Confira os números de transplantes de órgãos e tecidos no Estado:
- Córneas – 584
- Rim – 480
- Medula óssea – 195
- Fígado – 115
- Coração – 50
- Escleras – 44
- Rim/Pâncreas – 11
- Fígado/Rim – 5
- Pâncreas – 5
Total – 1489
Fonte: O Tempo