A revelação do esquema conhecido como orçamento, que envolve a liberação de verbas públicas federais sem transparência em troca de apoio de congressistas ao governo Jair Bolsonaro, resultou nas primeiras prisões, realizadas pela Polícia Federal nesta sexta-feira (14). Presos no Maranhão, os irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima são acusados de atuar em uma ampla rede criminosa envolvendo o Sistema Único de Saúde (SUS) em municípios do estado.
A informação é da revista Piauí, que revelou, em reportagem intitulada “Farra ilimitada” e publicada na edição impressa de julho, que o esquema funcionava da seguinte forma: as prefeituras registravam atendimentos médicos e consultas que nunca existiram, e enchiam o cofre com dinheiro vindo de emendas parlamentares do orçamento secreto.
Autorizada pela Justiça Federal no Maranhão, a operação desencadeada pela PF nesta sexta mira as fraudes no SUS e contratos irregulares da Secretaria Municipal de Saúde de Igarapé Grande. Só nessa cidade, com cerca de 12 mil habitantes, o esquema teria servido para desviar ao menos R$ 7 milhões originados do orçamento secreto.
A secretária de saúde de Igarapé Grande, Raquel Inácia Evangelista, foi afastada do cargo e é alvo de busca e apreensão junto com o antecessor no cargo, Domingos Vinícius de Araújo Santos. Igarapé Grande tem como prefeito Erlânio Xavier, presidente da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (Famem) e aliado do senador Weverton Rocha, ambos do PDT.
O nome da operação é Quebra Ossos, referência a um dos tipos de exames fantasmas registrados pela prefeitura de Igarapé Grande, as radiografias de dedo de mão. Em 2020, o município disse que fez 12,7 mil exames do tipo – o quarto maior número entre todas as cidades do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Nas planilhas oficiais do Congresso, Roberto Rodrigues de Lima aparece como solicitante de R$ 69 milhões em emendas de relator-geral do orçamento para municípios do Maranhão, só neste ano. Sem mandato, ele é um dos “usuários externos” que passaram a assumir solicitações de emendas do orçamento secreto, após o Congresso resolver descumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou ampla publicidade às indicações.
“Deputados e senadores que não querem aparecer se escondem por trás de ,usuários externos’, que funcionam como laranjas. Ou seja: a solicitação é feita por esse “usuário secreto”, mas o nome do parlamentar continua em segredo”, ressalta a Piauí.
Um trecho da decisão do juiz federal substituto Deomar da Assenção Arouche Júnior qualifica como “famigerado” o orçamento secreto. “(A Polícia Federal) Argumenta, em síntese, que, no âmbito do município de Igarapé Grande/MA, os representados participaram de empreitada para inserir informações superestimadas de produção em sistemas eletrônicos do Sistema Único de Saúde – SUS, com o intuito de majorar indevidamente o teto de repasse de ações e serviços de média e alta Complexidade financiados com recursos de emendas parlamentares do famigerado ‘orçamento secreto’ (emendas RP 9), desviando os recursos através de contratos administrativos fraudulentos”, diz trecho da decisão.
A investigação sobre Roberto e Renato Rodrigues de Lima, que são irmãos, é fundada na suspeita de que eles atuaram para fraudar o SUS e aumentar os valores que os municípios podem receber. Eles controlam a empresa RR de Lima, que tem contratos com várias cidades maranhenses onde também foram inseridos dados superestimados de atendimentos, segundo a PF.
No caso de Igarapé Grande, Roberto Limapediu no Sistema de Indicações Orçamentárias (Sindorc), do Congresso, e obteve aprovação do relator-geral do orçamento, Hugo Leal (PSD-RJ), para um repasse de R$ 9,2 milhões na área da saúde. Desse total, ao menos R$ 4,4 milhões já caíram nos cofres do município.
“Há prova robusta, em especial ancorada em análise técnica realizada pela CGU, de que a estrutura da pessoa jurídica, embora módica, tem sido utilizada pelo investigado Roberto Rodrigues para promover a inserção falsa de dados no SIA não apenas do município de Igarapé Grande, mas em dezenas de outras urbes do Estado do Maranhão, causando prejuízo de larga monta à União”, diz a decisão da Justiça Federal no Maranhão.
A PF suspeita que contratos assinados pela Secretaria de Saúde de Igarapé Grande com as empresas entre 2019 e 2021 estão repletos de “irregularidades que favoreceram diretamente as pessoas jurídicas contratadas, indicativos de crime licitatórios”. As empresas alvo da operação são a Dimensão Distribuidora de Medicamentos, a Omega Distribuidora de Medicamentos e a Central de Laudos e Serviços LTDA.
A PF observou que os suspeitos adotam mecanismos para burlar a atuação dos sistemas de controle fiscal e financeiro, e que os relatórios da Secretaria da Fazenda e de Inteligência Financeira apontam “apontam indícios razoáveis de malversação de verbas públicas”. Daí a necessidade também da quebra de sigilo fiscal e bancário dos investigados, autorizada pela Justiça.
Fonte: O Tempo