A PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara dos Deputados e em análise pelo Senado Federal, reacende o debate até que ponto o Parlamento legisla em nome da sociedade ou em defesa de si mesmo. A proposta escancara a disposição dos deputados em aprovar regras que ampliam sua própria proteção jurídica, recolocando as previsões legais para resguardar parlamentares de perseguições políticas no pós-ditadura, mas que, depois, foi alterado em 2001 para reequilibrar o papel dos poderes.
Desde 1988, deputados e senadores já dispunham de garantias especiais: julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), imunidade por opiniões e votos, e prisão apenas em flagrante de crime inafiançável, condicionada à decisão da própria Casa legislativa. Essas salvaguardas, fruto do receio de perseguições, foram ajustadas em 2001 pela Emenda Constitucional nº 35, que retirou a exigência de autorização prévia do Congresso para abertura de processos criminais, ainda que mantida a possibilidade de sustação do processo e do prazo da prescrição. O objetivo era claro: equilibrar poderes e dar maior autonomia ao Judiciário.
A PEC 3/2021, porém, caminha para um retrocesso judicial, criando uma casta de privilegiados e acima da lei, desvirtuando o princípio constitucional da igualdade perante a lei. Sob o argumento de reforçar prerrogativas parlamentares, o texto aprovado no dia 17.09 exige que a Casa respectiva autorize, por voto secreto e maioria absoluta, qualquer prisão ou processo contra seus membros. Além disso, amplia o foro privilegiado ao incluir presidentes nacionais de partidos políticos entre aqueles que devem ser julgados pelo STF.
O discurso oficial é o de proteger parlamentares de perseguições políticas e assegurar o livre exercício do mandato. Mas, na prática, a PEC consolida uma blindagem ampla, em momento de relação tensa entre Legislativo e Judiciário e em meio a denúncias de mau uso de verbas parlamentares. O foro privilegiado, que em sua origem buscava conter abusos, agora ressurge como mecanismo para conter investigações legítimas, inclusive relacionadas à corrupção.
Se a Emenda nº 35 de 2001 havia representado um passo no combate à impunidade, a PEC 3/2021 parece dar um salto para trás. Ao retirar a suspensão da prescrição durante o mandato, a proposta abre caminho para que processos se arrastem até a perda de prazo legal, enfraquecendo a responsabilização de parlamentares e a institucionalização da impunidade.
A PEC da Blindagem revela mais do que a disputa entre Legislativo e Judiciário: mostra um Parlamento preocupado em proteger a si mesmo, enquanto temas de interesse direto da população permanecem à margem. A pergunta que fica é inevitável: o Congresso legisla para o país ou para seus próprios membros? Se o sistema político se fecha em torno de uma blindagem, resta saber quem defenderá e lutará pelos interesses da população.