Em apenas dois meses, Minas Gerais tem 11.658 casos de dengue confirmados. Os números representam uma média de 215 casos por dia, conforme o boletim epidemiológico publicado pela Secretaria Estadual de Saúde, no dia 23 de fevereiro. No mesmo período, o Estado confirmou 4.054 casos de chikungunya, com média de 75 por dia. Por causa do número elevado de casos, algumas cidades decretaram situação de emergência e uma força-tarefa foi planejada para o combate do mosquito aedes aegypti, responsável pela transmissão das doenças.
“Esse aumento de casos configura um surto da doença e está diretamente relacionado a uma série de fatores. Um dos pontos que a gente tem observado foi a diminuição das ações de controle e de prevenção da dengue durante a pandemia de Covid-19. Nesse período, tivemos menos ações preventivas e isso resulta em um número maior de focos do mosquito”, explica a professora e médica infectologista Raquel Bandeira. Ainda segundo a especialista, esse aumento é comum no verão, período do ano favorável para a proliferação do mosquito transmissor das doenças. “Quanto mais quente, menor é o ciclo do agente. Ou seja, mais rapidamente o agente deixa de ser um ovo e vira um mosquito. Isso favorece a infecção e também a transmissão”, completa.
O cenário epidemiológico de 2023 preocupa as autoridades de saúde, já que o número de casos confirmados de dengue e chikungunya neste ano é superior ao mesmo período de 2022. Entre os dias 1º de janeiro e 22 de fevereiro do ano passado, 1.940 pessoas tiveram dengue em todo o Estado. O número é inferior aos 11.658 registrados neste ano, o que representa um aumento de cerca de 500%. Entre os casos de chikungunya, o salto foi de 37 para 4.054, um crescimento de 10.856%.
“Essa é uma situação que preocupa já que o sistema de saúde está sobrecarregado. As cidades ainda não estão preparadas para enfrentar esse surto porque ainda estamos sofrendo com os impactos dos anos de pandemia de Covid-19. Hoje temos cirurgias eletivas atrasadas, diagnósticos e tratamentos de doenças crônicas que também estão atrasados, tudo isso por causa da pandemia. Então essa é mais uma sobrecarga para o sistema de saúde que tenta respirar”, indica a infectologista. Para Raquel Bandeira, uma ação fundamental diante deste cenário é o monitoramento dos casos. “É preciso fortalecer o diagnóstico precoce desses pacientes para que a gente consiga rastrear os casos. O mosquito da dengue não fica passeando, ele sempre fica muito perto de onde ele nasceu. Quando a gente tem um bairro com maior número de casos, por exemplo, a gente sabe que ali tem mais focos e isso facilita as ações”, explica.
Conforme o boletim epidemiológico do dia 23 de fevereiro, a cidade de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, é a que registrou o maior número de notificações de casos de dengue neste ano, com 5.918. O município de Januária, na mesma região, é o que possui mais casos de chikungunya, com 2.478. Apesar do número elevado, ambas as cidades não possuem óbitos confirmados pelas doenças.
Por causa do surto de doenças infecciosas virais, a prefeitura de Montes Claros decretou situação de emergência no dia 16 de fevereiro. A medida foi tomada com base nos dados do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), que identificou um índice de infestação predial de 15%, o que equivale a dizer que 15 a cada 100 imóveis apresentavam focos do mosquito. O índice é quase cinco vezes superior ao de 3,9%, índice que é considerado de alto risco de epidemia pelo Ministério da Saúde. O decreto é válido por 120 dias.
Com o objetivo de conscientizar a população, a prefeitura de Januária realizou no dia 31 de janeiro um mutirão de combate ao mosquito Aedes Aegypt. Foram feitas blitz educativas e a população foi convocada para recolher diversos tipos de resíduos, que podem servir como foco para o mosquito transmissor das doenças. Na ação, cerca de 400 mudas de árvores frutíferas também foram entregues aos participantes.
“É um momento em que a gente precisa intensificar as ações para eliminação dos criadouros de mosquito. A população precisa receber as equipes de vigilância, que monitoram os focos nos domicílios. Também é importante que o poder público possa estimular as campanhas que vão mobilizar a população. Como a gente não consegue controlar o calor e a chuva, que são fatores favoráveis à proliferação do mosquito, a gente precisa diminuir esses focos para diminuir a reprodução dele”, alerta Bandeira.
A partir da próxima terça-feira (28), uma força tarefa será enviada para a cidade de Muriaé, no região da Zona da Mata. Cerca de 20 agentes de endemias irão visitar cerca de 520 residências com o objetivo de eliminar focos e potenciais criadouros do mosquito transmissor da dengue e da chikungunya. Os profissionais também devem fazer aplicação de larvicida e ações educativas de conscientização junto à população. Os trabalhos serão feitos em parceria com a prefeitura até o dia 10 de março.
“A situação geral evidenciou a necessidade do controle nesse período da sazonalidade, principalmente porque a microrregião de Muriaé está com seis, dentre os dez municípios, em alta ou muita alta incidência”, explica Fábio Ribas, o coordenador da Vigilância em Saúde da Gerência Regional de Saúde (GRS) de Ubá. O trabalho também irá contar com uma mobilização social, junto à população e lideranças locais.
Cenário em Belo Horizonte
Em 2023, conforme balanço da prefeitura de Belo Horizonte, 218 casos de dengue foram confirmados na capital. Os números têm como base o último boletim epidemiológico, divulgado no dia 24 de fevereiro, e revelam um aumento em relação à quantidade de casos confirmados nos dois primeiros meses do ano passado, que registrou 167.
“Neste momento, a gente tem trabalho com duas doenças que tem nos preocupado bastante: dengue e chikungunya. O contexto atual é de alerta preventivo, já que as pessoas estão suscetíveis às doenças, ou seja, sem imunidade e com mais chances de serem contaminadas pelo vírus”, explica o diretor de Zoonoses da capital, Eduardo Gusmão. Ainda segundo o diretor, os números não indicam uma tendência de epidemia, mas exigem das autoridades e da população ações efetivas para enfrentar o mosquito aedes aegypti, responsável pela transmissão. “O que temos observado é a presença desse vetor e também as condições climáticas favoráveis a proliferação desse inseto. Isso indica a possibilidade de ter um aumento significativo no número de casos”, completa.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, em 2023, foram confirmados 37 casos de Chikungunya em residentes de Belo Horizonte, sendo 2 casos da capital, 27 casos importados e 8 casos com origem indefinida. Conforme a pasta, 98 casos notificados estão pendentes de resultados. Em todos os locais com suspeita de casos de Chikungunya, a Secretaria Municipal de Saúde intensificou as ações de combate ao vetor, como uma estratégia para evitar a propagação da doença.
“Belo Horizonte é uma cidade que ainda não teve uma circulação forte de chikungunya. Então, os riscos aumentam e isso significa que toda a população pode adoecer. A gente precisa entender que essas doenças não possuem vacina e que a principal forma de prevenção é o controle do mosquito. Por isso é importante a atuação direta na limpeza urbana, evitando focos para a proliferação do vetor”, indica Gusmão. De acordo com o Levantamento Rápido do Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa), 83,3% dos focos do mosquito encontrados em BH estão em ambiente domiciliar. São 26,5% em pratinhos de plantas, 19,2% em lixos e entulhos, 10,2% em recipientes domésticos, 7,5% em barris e tambores e 6,3% em pneus.
Para Gusmão, a situação na capital ainda é de controle. No entanto, ele pondera que a situação de emergência de outras cidades do Estado pode exigir uma ampliação no atendimento na rede municipal de saúde da capital. “A cidade tem se preparado para isso, justamente para enfrentar esses impactos dos aedes aegypt. Essa é uma outra etapa do nosso plano de contingência, que é prestar assistência para os pacientes, independente de onde eles forem”, indica.
Fonte: O Tempo