O reajuste de 33,24% no piso salarial dos professores da educação básica – anunciado anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) – deve consumir mais do que o total Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ou seja, pode faltar recursos para custear o salário dos professores, e as prefeituras podem ter que complementar com recursos próprios.

O cálculo foi feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) com base na estimativa de repasses do Fundeb para este ano, que é de R$ 226 bilhões. O volume de recursos é estimado, pois varia conforme a arrecadação de Estados e municípios e também com o número de alunos matriculados. 

Com isso, segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, além de não haver recursos para os salários, também não haverá investimentos na formação continuada dos professores, no transporte escolar, na aquisição de equipamentos e material didático, na construção e manutenção das escolas. “Não sobra nada. Esse aumento liquida (o Fundeb)”, disse.

A lei do novo Fundeb aprovada em 2020 prevê que, pelo menos 70% dos recursos do fundo sejam destinados à remuneração dos profissionais, o que não inclui apenas os professores, mas todos os demais cargos da educação básica, como merendeiras e psicólogos. 

Porém, segundo a CNM, dados de 2019 já apontavam que em boa parte dos municípios o gasto apenas com a folha do magistério ultrapassava 75% do Fundeb, sem contar a folha de pagamento dos demais profissionais. Nesse sentido, em alguns municípios, o gasto com pessoal a partir do reajuste do magistério pode ultrapassar a receita obtida por meio dos repasses do Fundo.

A situação pode se agravar ainda no longo prazo, caso uma nova crise como a provocada pela chegada da pandemia de Covid-19 reduza a arrecadação de Estados e municípios e, consequentemente, do Fundeb. Atualmente, a arrecadação de boa parte dos Estados e também dos municípios tem aumentado com a retomada da economia – o que impulsiona o Fundeb, formado por percentuais de vários impostos e também dos Fundos de Participação dos Municípios (FPM) e dos Estados (FPE).

Diante da indefinição, até porque o reajuste ainda não foi oficializado para além do anúncio do presidente Bolsonaro, a orientação da CNM aos prefeitos é de que não apliquem o reajuste. “A nossa recomendação é de que os prefeitos não concedam esse aumento, pelo menos temporariamente. E se alguém tiver que dar, que dê o aumento pelo INPC, que é 10,16%”, alertou.

Procurado, o governo de Minas não soube estimar quanto o reajuste anunciado pelo presidente pode representar em custo para o Estado. Mas, informou que está discutindo formas para honrar com o pagamento assim que for publicado pelo governo federal.

Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser descumprida, diz CNM

Além do risco de faltar recursos, na avaliação da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o novo piso do magistério também pode levar ao descumprimento de preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 

Isso porque o aumento da folha de pagamento dos professores pode levar municípios e Estados próximos do limite máximo de despesa com pessoal (54% da Receita Corrente Líquida no caso dos municípios e 49% no caso dos Estados) a ultrapassar esse teto e, em última instância, ter as contas do exercício fiscal rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado.

“Então, por exemplo em Minas, municípios que estão no limite prudencial e gastando 50% com folha de pagamento, com esses 33% de aumento do magistério, eles vão ultrapassar esses 54% e passa a ter contas rejeitadas e ficha suja”, disse Paulo Ziulkoski.

Porém, na avaliação do diretor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), Pedro Azevedo, não é possível prever que Estados e municípios vão incorrer em descumprimentos da LRF, já que ambos têm apresentado crescimento da receita em razão da inflação e contingenciamento de despesas por conta de Lei Complementar 173/2020, aprovada em razão da pandemia de Covid.

“Então, a despesa com pessoal ficou baixa ou congelada em 2020 e 2021, e a receita cresceu. Com isso, a tendência é que o índice de pessoal de municípios e Estados venha mais baixo em 2021. Mas, sim, um aumento de 33% vai refletir no numerador e, a depender do crescimento da RCL, ele pode impactar o percentual. Mas é difícil falar se vai ultrapassar ou não porque depende da realidade de cada município”, avalia Azevedo.

Outro ponto destacado pelo presidente da CNM é que a Lei de Responsabilidade Fiscal também prevê que a cada despesa nova seja indicada uma fonte de receita – o que também pode ser um desafio para os gestores públicos. “Ele terá que indicar fontes para o dinheiro, ou cortar despesas, ou criar novos tributos. Isso leva o prefeito a uma encruzilhada porque não sabe qual (lei) que cumpre”, apontou. 

Anúncio contrariou parecer do ministério

O anúncio do reajuste contraria um comunicado divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) no último dia 14. No documento, a pasta concluiu pela necessidade de uma nova legislação atualizando a lei do piso salarial por entender que a Emenda Constitucional (EC) 108/2020 – que tornou permanente o Fundeb – e a lei que regulamentou o novo Fundeb alterou premissas do piso.

“Conforme o entendimento jurídico, o critério previsto na Lei 11.738/2008 (Lei do Piso Salarial do Magistério) faz menção a dispositivos constitucionais e a índice de reajuste não mais condizente com a mudança realizada pela EC 108/2020, que cria o novo Fundeb com características distintas da formatação dada pela Emenda Constitucional 53/2006. Entende-se que é necessária a regulamentação da matéria por intermédio de uma lei específica”, diz o parecer, elaborado a partir de uma consulta à Advocacia-Geral da União (AGU).

Ainda no comunicado, a Secretaria de Educação Básica informou que trabalhava “no levantamento de subsídios técnicos de suas áreas para conferir uma solução à questão”. 

Procurado, o Ministério da Educação não respondeu sobre o anúncio do reajuste feito pelo presidente, que desconsiderou parecer técnico do órgão.

Fonte: O Tempo

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